6                                                  Boletim Informativo da Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha

     Sistema Plantio Direto: com ou sem práticas
conservacionistas complementares de manejo da enxurrada?

Denardin, J.E.1; Kochhann, R.A.1; Faganello, A.1; Sattler, A.1; Berton, A.L.2

  1Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, 99001-970 Passo Fundo, RS, Brasil, Fone/Fax (54) 311 3641, e-mail: denardin@cnpt.embrapa.br ; rainoldo@cnpt.embrapa.br; afaganel@cnpt.embrapa.br ; arcenio@cnpt.embrapa.br 

2Emater-RS, Av. Brasil Oeste, 480, Caixa Postal 481, 99010-001 Passo Fundo, RS, Brasil, Fone/Fax (54) 311 5066, e-mail: planalto@emater.tche.br 

Palavras-chave: semeadura em contorno, terraceamento, erosão, manejo de solo.

     A erosão hídrica do solo é o resultado da interação dos fatores potencial erosivo da chuva, suscetibilidade do solo à erosão, comprimento de rampa, declividade do terreno, manejos de solo, de culturas e de restos culturais e práticas mecânicas conservacionistas complementares. Nessa relação, o fator potencial erosivo da chuva e as características topográficas da área, comprimento de rampa e declividade do terreno, constituem o componente energético, capaz de produzir erosão, e os fatores suscetibilidade do solo à erosão, manejos de solo, de culturas e de restos culturais e práticas mecânicas conservacionistas complementares constituem o componente dissipador de energia. A erosão, assim interpretada, é efetivamente o trabalho mecânico resultante da ação da energia incidente sobre determinado solo, que foi apenas parcialmente dissipada.
     Embora os manejos de solo, de culturas e de restos culturais sejam fatores altamente eficazes na dissipação da energia capaz de desencadear o processo erosivo, há limites críticos em que essa eficácia é superada, permitindo a ocorrência de erosão. Assim, mantendo-se constantes todos os fatores relacionados à erosão hídrica e aumentando-se apenas o comprimento de rampa, tanto a intensidade quanto a velocidade da enxurrada produzida por determinada chuva irão aumentar, elevando o risco de erosão hídrica.

    
A cobertura permanente, e a consolidação e a estabilização da estrutura do solo observadas no sistema plantio direto não propiciam condições suficientes para garantir controle adequado da erosão hídrica. A cobertura de solo, com plantas vivas ou com resíduos culturais, apresenta potencial para reduzir em até 100% a energia erosiva das gotas de chuva, entretanto não manifesta essa mesma eficácia para dissipar a energia erosiva da enxurrada que flui na superfície do solo. A partir de determinado comprimento de rampa, a cobertura do solo terá o potencial de dissipação de energia superado, permitindo a flutuação e o transporte de restos culturais, bem como erosão laminar e abertura de sulcos sob a cobertura. Nesse contexto, qualquer prática conservacionista complementar capaz de manter o comprimento de rampa restrito a limites em que a cobertura de solo não perca eficácia na dissipação da energia incidente automaticamente contribuirá para minimizar o processo de erosão hídrica. O terraceamento é, reconhecidamente, a estrutura hidráulica mais eficaz para a segmentação de pendentes.
    
Em decorrência de observações empíricas, divulgadas por Martin (1985), disseminou-se a idéia de que o sistema plantio direto prescindia de práticas conservacionistas complementares de manejo de enxurrada. Como conseqüência, num primeiro momento, no Planalto Sul-rio-grandense, e, a seguir, nas demais regiões do estado com repercussão em todo o país, desfez-se indiscriminadamente o terraceamento em lavouras conduzidas sob sistema plantio direto e adotou-se a semeadura paralela ao maior comprimento da gleba, independentemente do sentido do declive. As causas determinantes dessas atitudes encontram argumentos na substancial redução de concentração de sedimentos sólidos em suspensão na enxurrada, na percepção de ganho operacional de máquinas e implementos e na economia de insumos agrícolas, pela redução de operações de remate de glebas requerido em lavouras segmentadas pelo terraceamento. Nesse sentido, é perceptível que o incipiente conhecimento implicado no processo de erosão hídrica, dominado pela grande maioria dos promotores do sistema plantio direto, prejudicou a implementação de tecnologias conservacionistas plenamente contextualizadas na expectativa de alcance de uma agricultura irrepreensível, mormente pelo descaso dedicado ao manejo das águas superficiais, decorrente do abandono de práticas conservacionistas complementares, como terraceamento e semeadura em contorno. Com base na magnitude desse problema, agravado pela associada erosão de solutos, resultante da deposição sistemática de insumos agrícolas na superfície do solo, o Núcleo Regional Sul, da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, apresentou, em 1993, no Congresso Brasileiro de Ciência do Solo, moção contrária a esse abandono de práticas conservacionistas de manejo de enxurrada, em adoção generalizada nas lavouras sob sistema plantio direto no sul Brasil. Como resultado desse cenário, tem sido observado, em lavouras manejadas sob sistema plantio direto, com freqüência alardeadora, erosão laminar e em sulco, provocadas por falha da cobertura de solo.
    
Objetivando minimizar efeitos danosos decorrentes do problema instalado, Denardin et al. (1998) validaram uma estrutura de terraços em nível, com espaçamentos vertical e horizontal sensivelmente maiores do que aqueles praticados no preparo convencional, estimados a partir de dados oriundos especificamente da lavoura-objeto. Para o dimensionamento dessa estrutura hidráulica, utilizou-se o método do volume de enxurrada esperado, aplicando-se o software “Terraços for Windows”, elaborado por Pruski et al. (1996). O método considera o valor da chuva máxima esperada, para tempos de retorno e duração estipulados, o tipo de solo, a velocidade de infiltração básica de água no solo, a declividade do terreno, os manejos de solo, de culturas e de restos culturais, e a altura do camalhão que pode ser construído, em função das condições topográficas do terreno e do equipamento disponível para construção.
     A estrutura projetada foi instalada em uma lavoura de 148,67 hectares, situada no município de Sarandi, RS, com as seguintes características: Latossolo Vermelho Distrófico típico; textura muito argilosa; topografia ondulada, com rampas médias de 400 m de comprimento e declividade média de 11%; e manejo da lavoura sob sistema plantio direto, há 12 anos, com rotação de culturas envolvendo soja e milho, no verão, e trigo, cevada e aveia, no inverno. A precipitação pluvial máxima esperada (130 mm em 24 horas para o tempo de retorno de 15 anos) foi calculada com base em dados pluviais da estação meteorológica de Passo Fundo (Denardin & Freitas, 1982), e a velocidade de infiltração básica de água no solo (68 mm h-1) foi determinada por meio de simulador de chuva (Barcelos, 1996). Os terraços, tipo base larga em nível, foram projetados para altura do camalhão de 0,45 m, declividade da parede a montante de 0,20 m m-1 e espaçamentos horizontais variando de 110 m, para declividade de até 4%, a 40 m, para declividade entre 14% e 20%. O estabelecimento dos terraços demandou sistematização do terreno, eliminando-se voçorocas, canais escoadouros e estradas inadequadas, o que resultou na agregação de 12,94 hectares à área cultivada.

    
A estrutura implementada foi considerada validada por ter suportado eventos pluviais de magnitude superior ao esperado. No período de 1º de setembro de 1997 a 13 março de 1998 choveu 2.450 mm, sendo a média anual para a região de 1.788 mm. A chuva de 142 mm, no dia 10 de outubro, constituiu precipitação pluvial com período de retorno de 25 anos (Pfafstetter, 1957), superando o evento pluvial máximo projetado, que era de 130 mm, sem provocar erosão e danos ao sistema.
     O grande afastamento horizontal do terraceamento projetado determinou áreas entre terraços superiores a 40 hectares, contrapondo a percepção de que esta prática conservacionista induz expressivos prejuízos ao rendimento operacional de máquinas e de implementos e representa perdas de insumos agrícolas.

 
    Em adição à validação de terraços, como prática conservacionista redutora de riscos de erosão no sistema plantio direto, Righes et al. (2002) testaram a tecnologia denominada “mulching vertical”. O  “mulching vertical” é constituído por sulcos transversais ao declive do terreno, com 7,5 cm de largura e 40 cm de profundidade, que são preenchidos com restos vegetais, e atua, fundamentalmente, no aumento da taxa de infiltração de água no solo e, conseqüentemente, na redução do deflúvio. Essa tecnologia, em princípio, não deverá ter aplicação generalizada em toda extensão da lavoura, mas reservada para talvegues de elevada concentração de enxurrada.
     Resultados preliminares, em área com declive da ordem de 9%, ao indicarem eficiência de 55% e de 74% de redução da taxa de enxurrada, para espaçamentos entre sulcos de 10 m e de 5 m, respectivamente, acenam como tecnologia conservacionista complementar promissora para o manejo da enxurrada no sistema plantio direto.
Tanto o terraceamento, especialmente dimensionado para o sistema plantio direto, como o “mulching vertical”, constituem técnicas indutoras da semeadura em contorno, prática que torna as linhas de plantas em eficientes obstáculos ao livre escoamento da enxurrada que flui na superfície do solo, complementando o conjunto de técnicas conservacionistas que contribuem para a conservação integral do solo e da água.

Referências Bibliográficas

BARCELOS, A.A. Infiltração de água em latossolo sob chuva intensa em diferentes sistemas de manejo. Porto Alegre, Faculdade de Agronomia, UFRGS. 1996. 96p. (Tese Mestrado). DENARDIN, J.E.; KOCHHANN, R.A.; BERTON, A.L.; TROMBETTA, A.; FALCÃO, H. Terraceamento em plantio direto. Passo Fundo, RS: CENTRO NACIONAL DE PESQUISA DE TRIGO. 1998. (Comunicado Técnico).

DENARDIN, J.E. & FREITAS, P.L. de. Características fundamentais da chuva no Brasil. Pesq. agropec. bras., Brasília, 17(10):1409-1416, 1982.

MARTIN, E. O plantio direto no estado do Rio Grande do Sul. In: ENCONTRO NACIONAL DE PLANTIO DIRETO, 3., 1985, Ponta Grossa. Anais... Ponta Grossa: Batavo/Fundação ABC. p.15-16.

PFAFSTETTER, O. Chuvas intensas no Brasil. s.l., 1957. 419p.

PRUSKI, F.F.; SILVA, J.M.A. da; CALIJURI, M.L.; BHERING, E.M. Terraço for windows, versão 1.0. Viçosa: UFV - Departamento de Engenharia Agrícola, 1996. (1 disquete + manual do usuário).

RIGHES, A.A.; DENARDIN, J.E.; KOCHHANN, R.A.; NISHIJIMA, T.; GARCIA, S.M. "Mulching" vertical e escoamento superficial no sistema plantio direto. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA AGRÍCOLA, 31., 2002, Salvador. A engenharia agrícola para o desenvolvimento sustentável: água, energia e meio ambiente: anais. Salvador: SBEA / UFBA / Embrapa, 2002. 4p. - EAS_207. (Artigo em Anais de Eventos/Notas Técnicas).


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